Para quem conhece o Alto Douro Vinhateiro, provavelmente as imagens de socalcos pedregosos e secos desprovidos de vinhas, enxameados de esparso mato mediterrânico, ou pontilhados por oliveiras ou amendoeiras, não lhe serão estranhas.
Se, nalguns locais as oliveiras nos desviam o raciocínio para uma provável ancestralidade desta árvore naqueles socalcos, noutros, o mato áspero e escuro, à espreita por entre os velhos muros de suporte, faz-nos adivinhar que por ali, em tempos idos, já se encheram e carregaram cestos de uvas.
O que teria acontecido? Porque desapareceram as vinhas?
A Filoxera
Pouco depois de meados do século XIX, um pequeno insecto chamado Filoxera (Daktulosphaira vitifoliae) terá chegado à Europa vindo da America do Norte, provavelmente em pés de videiras que viriam com intenção de serem testados em novos cultivos e enxertias.

Uma praga, observada pela primeira vez em 1863 perto de Avignon, no Ródano, França, rapidamente instalou o pânico entre os viticultores do Velho Continente, que, de forma impotente, desesperavam com a destruição das vinhas sob o ataque daquele pequeno afídeo norte-americano às raízes das plantas europeias, sem que estas apresentassem qualquer imunidade.
Desde sapos e galinhas entre os vinhedos, até pesticidas químicos, nada parecia conter o ímpeto da Filoxera, que, numa vaga imaparável pelo Douro Vinhateiro, partiu de uma quinta no concelho de Sabrosa, apenas dois anos depois de ter sido identificada no Ródano. Na década seguinte, uma torrente de devastação varreu toda a região demarcada, sendo o Douro uma das áreas mais afectadas na Europa, com grande parte das suas vinhas destruídas.
Terríveis notícias
As terríveis notícias já se haviam espalhado por todo o continente, e o pânico entre os viticultores, de Portugal à Grécia, associava-se à esperada inevitabilidade da chegada da Filoxera, que apenas conseguiu ser contida pela enxertia das velhas videiras europeias em raízes de castas americanas, geneticamente resistentes ao pequeno insecto. No entanto, o processo foi lento, e a praga duraria longos 50 anos, até dar-se a reconstituição das vinhas europeias, e os enxertos de raízes americanas terem surtido efeito.
Os mortórios

Hoje, os Mortórios do Douro, como os da imagem acima, são recordações bem visíveis de um tempo que viria a marcar para sempre, não apenas o Vinho do Porto, mas toda a tradição vinícola de um continente.
Imagem principal: Mortórios na Lousa, Torre de Moncorvo, desde Santo Amaro, Vila Nova de Foz Côa. Rui Silva, Agosto de 2023