Quando eu era miúdo, havia um Senhor chamado Eduardo que passava os seus dias no Mercado do Bolhão.
O Eduardo, acarinhado por muitos e repudiado por outros tantos, “ficou assim quando perdeu a mãe”, dizia-se.
Tinha sido estudante de medicina, curso que deixou pela metade aquando da fatídica perda, era culto, educado com quem também lho era, e um bom falante de francês.
Um dia, reproduzi um coração – que tinha visto pintado na Baixa com propaganda da AD ao lado de uma pata-de-galinha do MDP-CDE – num espesso papel mata-borrão.
O Eduardo chegou, e já eu estava a desenhar mais meia-dúzia de corações naquela grande folha de um branco-sujo bem característico, e cujo toque é inesquecível.
— Também posso desenhar?
Lá pegou numa esferográfica azul, que pediu emprestada ao meu avô, e enchemos a folha com corações até não caberem mais.
Não sei o que terá sido do Eduardo. Cruzámo-nos pela última vez, lá por volta de 1990 ou 1991, em Sá da Bandeira, mesmo em frente à Casa Barral.
Espero que tenha continuado a desenhar corações.